A publicação foi feita pelo CDC, o órgão do governo americano que tem uma função parecida com a da Anvisa no Brasil. Em um levantamento publicado no mês passado, a agência trouxe números assustadores. Em 2011, 36% das garotas e 21% dos garotos adolescentes afirmaram se sentirem tristes ou desesperançosos com frequência. Em 2021, os índices eram de 57% e 29%, respectivamente. Ou seja: os números cresceram para ambos, mas o aumento foi muito maior entre as meninas.
O estudo aponta ainda que 30% das estudantes de ensino médio (e 14% dos estudantes) cogitaram o suicídio em um período de um ano até a data da entrevista. O aumento foi de 60% desde 2011.
Para o CDC, as escolas podem ajudar a prevenir problemas como a depressão ao promover interações fora do ambiente virtual com adultos confiáveis – “como mentores, professores treinados e funcionários”, que possam “ajudar a promover a conexão com a escola” para que os adolescentes “saibam que as pessoas ao seu redor se preocupam com eles”.
O estudo não é o primeiro a mostrar que há algo de errado com a saúde mental dos adolescentes.
Estudo britânico
Em 2018, um estudo feito com 11.000 adolescentes no Reino Unido também concluiu que a saúde mental dos adolescentes está em níveis preocupantes. Os pesquisadores também encontraram aquele que pode ser o principal culpado: o uso das redes sociais.
Na pesquisa, entre jovens que usavam as redes sociais não mais do que uma hora por dia, o índice de depressão era de 15,1% para as meninas e 7,2% para os meninos. No grupo que passava cinco ou mais horas por dia nas redes, o índice era de 38,1% para as garotas e 14,5% entre os garotos.
Os autores do estudo também apontam as possíveis razões pelas quais as redes sociais podem causar uma piora na saúde mental dos adolescentes: “Sono ruim, intimidação no ambiente virtual, má imagem corporal e baixa autoestima aparecem como caminhos importantes pelos quais o uso de mídias sociais está associado a sintomas depressivos em jovens”, eles afirmam.
Evidências se acumulam
O psicólogo Jonathan Haidt, que é professor da Universidade de Nova York, acompanha o assunto de perto. Recentemente, ele se debruçou sobre os dados e não tem qualquer dúvida: há uma década, estamos vivendo "a maior epidemia de saúde mental adolescente já registrada".
Para Haidt, duas conclusões saltam aos olhos: em primeiro lugar, a de que as garotas são mais afetadas pelo problema. Em segundo lugar, que há uma correlação clara entre o uso das redes sociais e a deterioração da saúde mental.
Haidt afirma que o estudo britânico e os dados mais recentes do CDC apenas corroboram as conclusões de outros pesquisadores. Ao conduzir uma análise dos principais estudos conduzidos sobre o tema, Haidt concluiu que 55 encontraram uma relação significativa entre o tempo gasto nas redes sociais e a incidência de problemas de saúde mental. Outros 11 estudos não encontraram essa correlação.
Outros estudos, como um levantamento publicado no Journal of Abnormal Psychology, mostram trajetórias semelhantes, com uma deterioração mais acelerada na saúde mental dos adolescentes a partir do início da década de 2010.
Haidt enfatiza que o problema teve início no início da década passada, justamente quando os smartphones se tornaram onipresentes. “As horas que as meninas passavam todos os dias no Instagram eram tiradas de sono, exercícios e tempo com amigos e familiares. O que achamos que aconteceria com elas?”, ele indaga.
Moderação e cautela
O professor Vitor Geraldi Haase, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que a realidade no Brasil não foge ao padrão encontrado em outros países, e acrescenta que a pandemia agravou o quadro.
Haase diz que as meninas são mais suscetíveis à pressão de grupo, o que é potencializado pelo ambiente competitivo das redes sociais. As redes aumentam a comparação entre as jovens — tanto no aspecto da aparência física quanto em outros aspectos, como as conquistas pessoais. É uma exposição constante a um mundo em que a competição, se não é explícita, existe ao menos de forma velada. E justamente na fase em que as mudanças aceleradas deixam as pessoas mais expostas a oscilações de saúde mental. “Principalmente no início da adolescência, os jovens são muito suscetíveis às influências dos pares. Nas redes sociais, a exposição aos pares é exacerbada, tanto no que se refere aos modelos quanto no que se refere ao feedback”, ele explica.
O professor acrescenta que a exposição excessiva nas redes sociais pode ser um caminho sem volta, o que tem consequências sobre a saúde mental. “Os jovens se expõem de maneiras, que às vezes são irreversíveis. As redes sociais criam um telhado de vidro, uma espécie de convite à crítica, ou até mesmo agressão pessoal”, explica.
Doutora em Psicologia pela UFMG, Carolina Nassau Ribeiro afirma que a percepção dela vai na mesma direção dos estudos científicos recentes. “Empiricamente, a gente tem visto um aumento nos casos de ansiedade, de autolesão e de tentativa de suicídio”, diz ela, antes de acrescentar que os dados no Brasil não são tão atualizados quanto os dos Estados Unidos.
Para Carolina, embora impedir totalmente o acesso de adolescentes às redes sociais seja difícil, os pais não podem abrir mão de acompanhar de perto o que os jovens estão fazendo no ambiente virtual. “Hoje em dia já existem vários aplicativos em que os pais podem acompanhar os adolescentes no uso das redes sociais, na internet e nos jogos. A internet é uma rua virtual. Assim como ele precisa de supervisão no mundo real, ele precisa no mundo virtual”, diz.