ANCHIETA SANTOS: A RÁDIO E O TEMPO Adelmo Barbosa*

Naquele finalzinho de tarde, os números falavam de 130 mil pessoas no Vale do Anhangabaú. Era o último comício antes do pleito de 3 de outubro de 1994. E o Vale estava tomado de vermelho. No palco montado na lateral do famoso Viaduto do Chá, dando vista para o Santa Efigênia, já na Avenida São João, famosa na música de Caetano, já tinham passado Racionais MC, Luiz Melodia, Olodum e outras celebridades, encerrando o Showmício.

O último a se apresentar foi Chico, cantando “Brejo da Cruz”, a música que fala da “novidade de meninos que comiam luz”. Em seguida, o locutor anunciou: “Vamos receber o locutor oficial da campanha vitoriosa de Miguel Arraes em Pernambuco: Anchieta Santos”. Houve um silêncio no Vale, redesenhado e reconstruído pelo governo de uma nordestina de bem pertinho de Brejo da Cruz, na Paraíba.

Anos mais tarde, encontrei Anchieta Santos dando as ordens na FLORESCER – FM. “Rádio é tempo” Foi essa a sua primeira fala para uns meninos inexperientes e assombrados com o maior locutor que este Sertão do Pajeú já conheceu. Até mesmo Carlinhos do Alto, com a experiência de quem já fazia couro no famoso Pinheirão Publicidade desde as eleições de 1992, se rendeu à mais poderosa voz que essas terra já produziram, pelo menos até hoje.

Anchieta Santos deu-nos o privilégio de ser o primeiro locutor a falar no microfone da FLORECER – FM, no já longínquo ano de 1999, às cinco horas e três minutos da tarde daquele domingo, 5 de dezembro. Estrondava e fazia o telefone fixo, cedido pela Prefeitura de Flores, bugar, um ano antes da virada do século. E reclamava dos que ligavam a cobrar dos diversos orelhões da cidade. “O padre não tem dinheiro. E no primeiro dia que a Rádio entra no ar você já liga a cobrar? Tenham pena do Padre”. Sempre foi sincero e direto.

Anchieta foi quem nos ensinou a fazer rádio. Ele aprendeu com o maior comunicador que o antecedeu, quando ainda era um menino, na velha e histórica Pajeú de Afogados da Ingazeira. Era cria de Waldecyr Xavier de Meneses, considerado o Aroldo de Andrade das terras secas nordestinas. Mas Waldecyr veio para Afogados a convite de D. Mota e Anchieta nasceu ali em Carnaíba. Era nosso, era pajeuzeiro.

No começo do ano 2000, estreou seu programa na FLORESCER, e não se importava com as más línguas que o taxavam de “locutor de rádio comunitária”. Tinha no currículo emissoras do porte da Cardeal de Arcoverde, Liberdade de Caruaru, Jornal do Comércio do Recife, A voz do Sertão de Serra Talhada e Clube de Pernambuco, a emissora mais antiga ainda em funcionamento no Brasil. Foi aluno de Waldecyr e companheiro de Geraldo Freire. Dirigido por Padre Assis e criador de Nill Júnior, Aldo Vidal e tantos outros que integram até hoje a Seleção do Povo da Pajeú, criada por ele.

Trabalhou em emissoras de Tabira, e criou a primeira safra dos locutores da FLORESCER: Jonas Ramos, Carlinhos do Alto, Eddy Silva, Adelmo Silva e Penha Vieira. Influenciou Geovanni Anastácio, Alberto Ribeiro, Adacy Barros, Geo Gomes e Cleiton Silva. Era brincalhão com todos, mas sério na hora de dar rela e dizer como se faz rádio sem deixar o ouvinte esperando. O ouvinte era seu ponto-norte na condução de uma rádio.

Elegeu políticos das mais diversas agremiações partidárias no Sertão e em diversos cantos do Brasil. Inclusive em Flores.

Amava o rádio, mas também trabalhou para a televisão, dando as notícias do Pajeú para emissoras como a TV Jornal. Foi o primeiro do ramo de notícia em uma emissora sertaneja. Antes dele, as rádios eram apenas de entretenimento, cultura e prestação de serviços.

Anchieta Santos não tinha estatura física, mas tinha aquela que se tornou a voz mais conhecida das últimas quatro décadas na Terra de tantos nomes. Criou, ajudou, conduziu, dividiu espaço, reclamou, cobrou, orientou e, sobretudo, formou profissionais do Rádio por onde passou. Não limitava seu pensamento a questões medíocres de status por sua capacidade intelectual, nem de persuasão através da voz. Trabalhou com o mesmo profissionalismo na Pajeú, a Emissora-mãe de todas as rádios sertanejas, na Cidade de Tabira ou na FLORESCER, porque sabia que seu nome era reconhecido por sua voz e por aqueles que ajudou a criar. 

Num período em que vivemos dias difíceis Brasil, e em que testamos o nosso psicológico com as inúmeras vidas precoces que perdemos em Flores, ficamos sem a Voz do Rádio sertanejo.

Naquele final de semana de setembro de 1994, as primeiras palavras de um nordestino para 130 mil pessoas foram: “Dignidade” e “Honestidade”. Um trovão do Pajeú que assustava faces incrédulas, que não imaginavam que um desconhecido da maior metrópole da América Latina seria capaz de roncar no meio daquela selva de pedra.

Foi honesto em seu propósito como radialista e comunicador. Por isso, e por tudo o que representou para o rádio e os radialistas de Pernambuco e do Sertão sobretudo, nos lugares por onde foi ouvido, é digno de nosso choro, nossa dor e, acima de tudo, nossa eterna gratidão por tudo o que nos ensinou.

Como suas últimas palavras no rádio, proferidas no dia 18 de junho de 2021, na Pajeú de Afogados da Ingazeira, encerramos dizendo: “Até amanhã, se houver amanhã”. “Maior revelação do rádio pernambucano” e do Pajeú, de todos tempos: Anchieta Santos.

*Professor.