CRÔNICA: Ninguém falou o nome de Rogaciano na TV - Por Adelmo Barbosa

“Os números estão se tornando pessoas próximas da gente”.

A frase bem que poderia ser mais um daqueles destaques de reportagens divulgadas na TV, quando se está falando de COVID-19. Diariamente, uma enxurrada de exemplos é vista desde a ‘hora um’ até o último ‘boa noite’, mas nem sempre atende aos interesses da esmagadora maioria da população brasileira que se sente ou vive enlutada por uma pessoa perdida para a saga que se desenhou no mundo desde o finalzinho de 2019.

Até cansa ver tanta coisa ‘ruim’ numa época que vai se desenhando, como há cem, quinhentos, mil e quinhentos anos. Quando nem se imaginava que um dia iria acontecer comunicação via satélite, quiçá via ondas magnéticas, mas que o mundo já era varrido por catástrofes tão ou pior do que as atuais, quando “uma névoa misteriosa mergulhou a Europa, o Oriente Médio e partes da Ásia na escuridão, dia e noite - por 18 meses”. Isso no ano de 536 (século sexto), seguido da pandemia da peste bubônica, que atingiu a maior parte do Império Romano, no ano de 541, de acordo com Ann Gibbons, correspondente da Revista Science, em Artigo publicado no dia 15 de novembro de 2018, e reproduzido no site Climatempo, em julho de 2020. 

As pandemias se sobrepõem umas às outras, dizimando pessoas e destruindo vidas. Destruindo mesmo. Porque, quando se perde aquele ente querido que parecia tão saudável, (e, esperava-se viver mais tantos anos), há uma destruição em cadeia, como se fosse um efeito dominó. Vai alma, coração, sentimento, psicológico, história contadas e vividas, alegrias, heroísmos e mais um enésimo número de fatos, atos e vivências que arrebentam aqueles que permanecem em pé na porta de casa, ou no meio da rua, literalmente, olhando para o nada e buscando no infinito, a se perguntar: Por quê?

Mas essas histórias, as histórias de milhões de brasileiros, vividas em cidadezinhas pequenas, espalhadas pelos oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados, do Oiapoque (agora é Monte Roraima, de acordo com os novos cálculos de medições geográficas) ao Chuí, onde famílias, amigos, parentes, aderentes, conhecidos, desconhecidos, quem tinha raiva ou amava, sente quando vem aquela notícia que ninguém esperava, mas que parece até já se estava imaginando: “eu sabia”.

A cada dia um novo noticiário, tão velho e tão comum que ninguém liga mais. E busca-se viver de qualquer jeito. “Levando a vida como Deus quer”. Tentando soprar para fora aquele suspiro que vem de dentro da alma, quando, num relance, se lembra daquele balãozinho estourado que fazia parte da festa da vida. Mais um...

A dor é quase unânime. Choram homens, mulheres e meninos, jovens, velhos e crianças, num mesmo pranto sentido e atônito. Seja oito horas da manhã, três da tarde ou sete da noite. Num roteiro em que a vida parece um dia que mais acaba do que começa. É um crepúsculo que faz desaparecer muitas vezes o sol no rosto rusgo de cada um de nós. E leva consigo pessoas. Pessoas. Não números. Arrancando-as da gente como se tudo fossem folhas secas num outono perverso, em meio a um momento em que a primavera da esperança parece distante. 

Mas essas histórias não aparecem nos eternos noticiários que estão sendo preparados diuturnamente. As câmeras, os microfones e outros aparatos midiáticos dos grandes conglomerados comunicativos não enxergam tão longe quanto parece. A dor é unanime. Ela acontece em todos os recantos. Mas não aparecem as histórias comuns que são idênticas àquelas que se vê todos os dias na tevê. É como se vivêssemos apenas do exemplo dos outros. É como se todos fôssemos uma vala comum, com a pandemia, que se arrasta lentamente.

Estamos todos no meio de uma tempestade, mas o guarda-chuvas só parece cobrir alguns. E a única coisa que é igual para todos é a ventania, lamentavelmente, cada vez mais forte, assolando a todos, sem distinção.

Ninguém falou o nome de Rogaciano no noticiário da TV. Assim como ninguém falou de Alberto, Marinácia, Geraldo, Socorro, Dirce, Maria, Demar, José, João, Joaquim... São tantos parentes, amigos, conhecidos, vizinhos, parentes de vizinhos que até mesmo neste texto são esquecidos. Pais, mães, avós, tios, irmãos, amigos de infância. Pessoas próximas que são lembradas, apenas, por um rol de pequenas populações espalhadas por aí.

O noticiário não cobre tudo. Não há pernas para cobrir, ou não há interesse em bater perna para ver que por todos os sertões do Brasil tem alguém chorando seus parentes ou amigos. Suas lembranças... Suas perspectivas e projetos cortados ao meio. Histórias interrompidas por um mal comum. Dores coletivas que fazem derramar lágrimas mesmo de quem, no comum da vida, tem vergonha de chorar.

Dois comentários pessoais, nesse Artigo de opinião. Primeiro, pedir desculpas aos familiares que tiveram nomes de seus entes queridos mencionados. Queridos, aliás, de todos nós. De não os ter pedido permissão para citá-los. Segundo: também pedir desculpas por não mencionar todos aqueles que nos deixaram pelos mesmos motivos. Mas cada um tem o direito de incluí-los nesse conjunto do todo. Além disso, o nome que dá título a esse Artigo é verídico e, como todos os nossos, tinha “uma vida inteira pela frente”. E vida cheia de futuro.

A frase que abre esse texto, não é de nenhum repórter famoso de um desses grandes veículos de comunicação que se arvora em dizer que têm conhecimento de tudo. Pelo contrário, é de uma pessoa comum. Um jovem de pouco mais de vinte anos, em referência àquilo que estamos vivendo a cada dia, a cada momento, a cada pessoa que nos deixou. Afinal, os números deixam de ser apenas números para nós, uma vez que também nos atingem.

Somos parte de uma comunidade só. Independentemente de nossos credos, nossas visões políticas ou culturais. E nos apegamos uns aos outros para encontrarmos forças para falar dos nossos iguais que também se foram pelo mesmo motivo.

Esse Artigo não é uma crítica a nenhum veículo de comunicação. É um comentário sobre a nossa vida e a nossa família. Sobre todos nós que também choramos os nossos. A propósito: um agradecimento especial a esse Cidadão que empresta seu Blog – um veículo de comunicação – para difundir as nossas notícias, as nossas histórias. Não somos números. E temos sentimentos. Temos história. E somos humanos. Também.

Adelmo Barbosa

Professor