Fagner recupera a seresta em disco para quem sofre de amor durante a quarentena

Neste momento em que a chamada sofrência está disseminada pela música popular brasileira, chegando até a denominar um subgênero próprio, Raimundo Fagner visita as dores de amor em canções.

Nem de longe algo tão rasteiro quanto as músicas que dominam as paradas. Ele oferece uma versão bem mais lírica e sofisticada –a seresta.

Fagner gostaria de inspirar o público mais jovem. “A seresta é um gênero muito forte na música brasileira. Quando tive a ideia de fazer o disco, pensei que ele poderia ir além do público maduro carente do gênero. Há uma juventude ligada ao chorinho e aos violões.”

“Serenata”, o primeiro álbum de Fagner desde “Pássaros Urbanos”, de 2014, é um resgate carinhoso do repertório seresteiro que foi imenso sucesso em meados do século passado, em vozes impecáveis do rádio como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Nelson Gonçalves e Orlando Silva.

Graças à tecnologia de estúdio, Gonçalves, morto em 1998, divide vocais com Fagner na faixa que dá nome ao álbum.

“Esse disco foi feito em homenagem ao meu irmão”, diz Fagner, lembrando Fares Cândido Lopes, grande seresteiro cearense. E ele estende o tributo a outro gigante.

“O preferido de meu irmão era Sílvio Caldas. Eu tive a oportunidade de levar o Sílvio a Fortaleza e nós fizemos duas apresentações no teatro José de Alencar.”

Além de “Serenata”, o álbum produzido por José Milton traz outra canção da parceira Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, “Chão de Estrelas”.

O repertório passa por outros clássicos, como “Lábios que Beijei”, sucesso com Orlando Silva, “Deusa da Minha Rua”, imortalizada por Nelson Gonçalves, e “Valsinha”, de Chico Buarque e Vinicius de Moraes.

Duas faixas representam resgates pessoais na carreira de Fagner. “As Rosas Não Falam”, de Cartola, é uma de suas favoritas, gravada por ele no álbum “Eu Canto”, de 1978. “Mucuripe”, um clássico da MPB escrito por Fagner e Belchior, fez parte de seu álbum de estreia, “Manera Fru Fru, Manera”, de 1973.

Num primeiro momento, Fagner não queria incluir música de sua autoria. “Olha, ’Mucuripe’ foi praticamente uma imposição do Zé Milton. Ela é a música mais importante da minha carreira, ela me abriu portas. E há tempos é cantada pelos seresteiros, foi incorporada por esse gênero. Assim fui convencido.”

Quem está acostumado ao canto forte de Fagner, que chega a berros viscerais, terá uma surpresa em “Serenata”. Ele quis respeitar o caráter acolhedor da seresta. “O Zé Milton às vezes me pedia para dar uma rasgada, mas eu me controlei. É uma responsabilidade fazer essa releitura da seresta, eu sentia que ela ficaria no limite de dar certo ou não”, afirma Fagner.

Ele considerava o disco pronto em março, quando começou a quarentena. “Paramos tudo e eu tive seis ou sete meses para refletir, então refiz todas as vozes. Eu fiquei insatisfeito com o que tinha feito. Essa pandemia, apesar dessa desgraça que nos causou, para esse disco ela proporcionou um tempo de maturação.”

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