CRÔNICA: O que você está fazendo na quarentena? Por Adelmo Barbosa*



Sabe aquela máquina de costura à mão, que há muito está esquecida no oitão de casa? Pois é, era com ela que minha avó costurava as calças caqui de meu avô. Era uma máquina... nem sei a marca. Não, não era Singer, nem Leonam, era outra marca mais antiga ainda. Ela tinha todos os requisitos da moderníssima máquina de pé, porém, não tinha aquela estrovenga que fica em baixo do móvel para colocar os pés e, através da cia (corrente de couro de um animal qualquer), fazer girar a roda que dá o movimento. Sua manivela era pequenininha e era manuseada com uma das mãos mão, como uma manivela de motor a diesel, só que, a energia era cinética ou mecânica (não sei ao certo), sei que era a força do braço de minha avó que fazia a máquina funcionar, enquanto agulha e lançadeira produziam a todo vapor os pontos que cingiam a roupa.
Quem está em casa pode inventar. Fazer bolos para vender, tapioca e outro sem número de iguarias que se fazem à mão. A culinária nordestina, por exemplo é cheia de novidades, novidadosas, nem tão novas assim, que enchem a boca de qualquer vivente que passe por uma dessas casinhas esquecidas nas beiras das estradas dos rincões sertanejos.
Mas não é apenas na cozinha que se pode inventar: concertar móveis antigos, reformar cadeiras de balanço, fazer vassoura de piaçava (ou com folha de carnaubeira), remendar cerca de arame, plantar coentro, consertar aquela goteira que há anos se vinha prometendo ajeitar e continua teimosamente derramando água em cima da cristaleira, quando chove. Pode ter certeza: chove sim! Mesmo em uma terra que respira sol, a chuva vem e, muitas vezes destrói mais do que em cinco ou seis anos de seca.
Fazer e refazer é uma forma de passar o tempo. Reformar, por exemplo, a roda do carrinho da feira (quase ninguém usa, mas, em tempos de distanciamento social é uma forma de se evitar os carrinhos de supermercado que passam pelas mãos de muita gente), ajeitar a roda do carrinho de mão que há muito tempo a estrovenga está quebrada, remendar o pneu da bicicleta para dar umas voltas por aí, de preferência â noite ou em locais onde tenha pouco movimento de gente, no sítio é bem mais fácil (sim, e vá de máscara). Remendar aquela bola que o irmão mais novo pede há séculos e você diz que vai fazer amanhã só para enrolar o coitado mais uma vez.
Só não dá para dizer que pode fazer alçapão e gaiola com flecha porque isso é proibido pelo IBAMA, mesmo assim, tem muita gente que faz (vamos ser sincero!), mas, por via das dúvidas, é melhor não arriscar. É possível consertar o chiqueiro dos porcos e recuperar o cercado das galinhas para evitar que o tiú (Teiú) coma os ovos e os pintinhos novos.
Uma tarefa boa e agradável é preparar o milho para fazer pamonha, desde a escolha das melhores espigas até a hora de cortar a palha, ralar o milho e empalhá-lo. Se não souber, é simples: só pedir ajuda a sua mãe, ela sabe fazer tudo isso. Ah, se tiver mandioca na roça dá para fazer beiju, pode pedir ajuda à mãe também que ela é craque em todos esses pormenores.
E quando tiver cansado, é só pegar um livro e começar a ler. Literatura de cordel é uma boa pedida: O Príncipe João Sem Medo, As proezas de João Grilo, Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, A louca do Jardim, Pavão Misterioso (o melhor de todos). E aquele sonho antigo de aprender tocar violão, está na hora de começar a botar em prática. Primeiro começa dando uma olhadinha nas unhas para ver se não estão muito grandes. Para iniciantes a sugestão é que deixe-as rentes com a pele superior do dedo para não tirar som rouco das cordas. Dá uma lubrificadinha nas cordas e, pode pedir ao seu pai para afiná-las, você vai se surpreender quando vê-lo pegar no melhor de todos os instrumentos do Mundo e tocar a Marcha dos Marinheiros, recordando Dilermando Reis, ou A Chalana de Mário Zan, apenas no instrumental.
Ficar em casa não é tão deprimente ou entediante assim. É só procurar alguma coisinha para fazer, refazer ou aprender. Tem sempre um galo no quintal cantando, uma cabra no chiqueiro berrando, uma vaca mugindo no areal ou uma codorniz fazendo ninho por aí por perto da estrada. Deixa os ovos lá, dali vão nascer outras codornizinhas para povoar o pomar e dar vida ao terreiro, onde, misturado com as galinhas, é possível correr atrás dos pirus ouvindo-os fazer glu, glu, glu, espantar as guinés e rodopiar com o cachorro Trigueiro ao redor da casa. Nesse meio tempo, pegar uma vara seca na cerca velha de vara ou um cabo de vassoura e andar de cavalo de pau é uma boa diversão.
Aquela máquina Singer prêt-à-porter 68 que está coberta com uma toalha de chita bordada nada mais é do que a reprodução moderna da velha máquina de coser à mão que a minha avó usava para remendar as calças do meu avô. Quer arrumar o que fazer e matar saudade dos tempos de outrora? Vai lá no oitão da casa, pega o que sobrou da velha máquina à mão abandonada, lubrifica ela, deixa-a toda brilhando e daí, é só pedir a sua mãe: linha, agulha e lançadeira (ela sempre tem, não duvide dos mistérios daquela que a gente teima em chamar de “Rainha do Lar”) e aproveita o tempo parado para fazer alguma coisa útil. De quebra, ainda é possível fazer atividade física com os movimentos da roda da máquina. A atenção e o cuidado para não costurar o dedo e costura sair torta são essenciais, ainda é possível beliscar um dinheirinho. O que não pode é ficar parado.
Concorda? Então, mãos à obra!


 Adelmo Barbosa
*Professor.