CRÔNICA: Dione, Domício da lagoinha e a tempestade de uma semana que se finda. Por Adelmo Barbosa*



Chegamos a um fim de semana para ser esquecido. Ser esquecido ou ser lembrado para sempre? Na nossa modesta Flores, cidadezinha interiorana, com seu provincianismo quase bucólico ainda, oito dias atrás estávamos atônitos com o ocorrido na curva da PE 320, depois das terras de Tozin. Lá, um de nossos jovens, Dioninho, era mais um ceifado pela roçadeira intolerante dos desastres que acometem Flores e a região do Pajeú e do sertão da Paraíba e que, em sua maioria absoluta (não vou expressar em números, porque não tenho dados técnicos e seria uma insanidade), leva a vida de nossos jovens.
A própria estrada, em todos os seus 120 quilômetros, de Serra Talhada a São José do Egito, é margeada de cruzes de pessoas que por ali ficaram numa viagem sem volta e não planejada tal como as de Canaã no mesmo final de semana de Dione. Numa dessas cruzes está a menção a Zé Marculino, poeta paraibano, que “sucumbiu na estrada do destino”, nas palavras de Ivanildo Vila Nova, outro grande desta Terra nordestina.
Dione era estudante do Pedro Santos Estima, e na mesma semana do seu destino fatal, havia tirado a foto que faria parte da placa de formatura no final do ano. Seus projetos de vida faziam parte dos mesmos projetos da gama de jovens que saem das escolas todos os anos e teimam em entrar num mercado de trabalho cada vez mais escasso, brutal e nocivo. Seu sepultamento chocou pela quantidade de pessoas presentes e, sobretudo, por aquele buzinaço voluntário feito na entrada do Cemitério. Quem tem coração chorou, não importa se era criança, velho, senhora ou jovem. Foi uma cena marcante e contundente, fruto da amizade que ele colheu em vida.
Mas não deu tempo, mesmo sentindo a partida precoce de Dione, outra voz se calava. E não só uma voz, mas a surdez de um violão que por mais de 40 anos trinou nos ouvidos das gentes desses rincões sertanejos do Pajeú. O “seresteiro das noites” da Lagoinha, em uma partida também abrupta, deixou-nos atônitos, fazendo-nos refletir sobre este ano de 2019, tão turbulento e macabro. Nas expressões públicas de Auriedson e Aurislene, confirmou-se a importância de Domício como um dos nossos melhores cantadores de modas e toadas, e, sem sombra de dúvida, o que melhor vimos e ouvimos interpretar Amado Batista nestas terras pajeuzeiras.
Bastava. A semana parecia estar completa de súbitas notícias dolorosas e tristes, abatendo a todos de Flores e cercanias. Mas não estava encerrada do ponto de vista de medo e interrogações que são a práxis deste ano, que, para muitos, já deveria ter-se encerrado.
Não bastou nossas dores locais, familiares e de amizade. Em meio à dor dos nossos, fomos sacudidos pela inexplicável tragédia de Suzano. E o que temos nós a ver com uma cidade a dois mil quilômetros daqui? Temos nossas próprias dores. O fato, no entanto, cobra-nos a busca por mil respostas onde só há uma pergunta: POR QUÊ? Meninos e meninas da idade de Dione, estudantes como Dione, sonhadores como ele, abrangeram o país inteiro, e aqui não poderia ser diferente.
O que nos resta pensar: refletirmos não apenas sobre nossa missão pessoal – mais individualista que individual –, mas, sobretudo pela função social que exercemos e a importância que temos em construir uma sociedade onde a sanidade deve se sobrepor às insanidades que pervertem as pessoas e estão – lastimavelmente – tão em moda nestes tempos.
Fato é que precisamos ouvir mais músicas, ler mais livros, valorizar mais a vida, falar palavras reconfortantes e esperançosas, numa e para uma sociedade que está perdendo a noção de civilidade para a batalha da sanha individualista e fundamentalista. Estes sim, são dados retirados das análises de psicólogos, sociólogos e filósofos do Brasil e do mundo.
Paradoxalmente às notícias devastadoras cotidianas, dizem os especialistas: é preciso atenuar as conversas, as informações e os diálogos, para sobrevivermos a essa onda espantosa que está dominando a mente humana e bloqueando a capacidade de pensar, raciocinar antes de tomar qualquer atitude, seja ela qual for, para não fazermos ou falar bobagem.
A semana se encerra com mais uma banalização da vida. Não aqui, mas na Nova Zelândia, país que, tal qual o Brasil, é considerado pacífico e ordeiro. Por essa razão, não podemos perder o tino das situações. Precisamos ter mais sensatez até mesmo na hora de falar, porque, da forma como as coisas estão, uma simples palavra pode ferir de morte um semelhante.
Era para ser apenas um relato simples das perdas locais com as quais nos deparamos no início desta semana, mas as ações brutais nos perseguem e a vontade de falar, expressar uma palavra de carinho, amor (essa está difícil de pronunciar porque parece banalizada), cordialidade, esperança e fé exigem de nós, mais do que uma reflexão simplória sobre nossa vida e sobre nossa passagem pela Terra.
Aos entes locais que nos deixaram: Dione e Domício, nossas lembranças mais queridas e sentimentos de uma perda irreparável. E aos que, por fruto da ignorância humana, deixam-nos atônitos: um momento de reflexão e a necessidade de nos recompor e continuarmos a lutar por uma vida sensata, pacífica e verdadeiramente humanizada.
Que a próxima semana seja melhor do que essa!


*Professor.