Um padre de
Anápolis (GO) terá que pagar R$ 60 mil de indenização a um casal por
impedir, por meio de um Habeas Corpus, um aborto que havia sido
autorizado pela Justiça. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça, que considerou que o padre abusou do direito de ação e violou
direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.
O caso
aconteceu em 2005. O casal, ao saber que o feto diagnosticado com
síndrome de Body Stalk — denominação dada a um conjunto de malformações
que inviabilizam a vida fora do útero — não sobreviveria ao parto,
conseguiu autorização judicial para interromper a gravidez.
Durante a
internação hospitalar, a grávida, já tomando medicação para induzir o
parto, foi surpreendida com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás,
que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do
procedimento. No Habeas Corpus em favor do feto, o padre Luiz Carlos
Lodi da Cruz afirmou que os pais iriam praticar um homicídio.
A grávida, com
dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram,
assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando
retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. Diante dessa
situação, o casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que
preside a Associação Pró-Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na
Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.
Sofrimento aterrorizante
Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal. “Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”, disse.
Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal. “Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”, disse.
A ministra
afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do Supremo
Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possibilidade de
criminalização da interrupção de gestação de anencéfalos.
“É inegável que
ambas as condições, anencefalia e síndrome de Body Stalk, redundam,
segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da vida
extrauterina”, comparou a ministra.
Embora o
julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra assinalou
que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em
2005 era a mais consentânea com as normas constitucionais, inclusive
pela reafirmação do caráter laico do Estado brasileiro e pelo
reconhecimento da primazia da dignidade da gestante em relação aos
direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.
Ação temerária
A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois, como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.
A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois, como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.
De acordo com a
ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas
particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude,
“agrediu os direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a
garantia legal de interromper a gestação.
Nancy refutou
ainda a ideia de que a responsabilidade não seria do padre, que apenas
requereu o Habeas Corpus, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que
efetivamente proibiu a interrupção da gestação.
Segundo ela, “a
busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele
que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a
concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de
abuso de direito”.
A turma
condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação por danos
morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a
partir do dia em que a recorrente deixou o hospital.
Prática recorrente
No site do instituto Pró-Vida de Anápolis, a associação afirma que “quando necessário, propõe ações judiciais em defesa de um nascituro ameaçado de aborto por sentença de algum juiz ou tribunal”. O próprio padre, em artigos publicados no Jus Navigandi, defende a medida.
No site do instituto Pró-Vida de Anápolis, a associação afirma que “quando necessário, propõe ações judiciais em defesa de um nascituro ameaçado de aborto por sentença de algum juiz ou tribunal”. O próprio padre, em artigos publicados no Jus Navigandi, defende a medida.
Em 2009, por exemplo, o padre publicou o artigo intitulado Como defender judicialmente o nascituro, no
qual afirma que “quando um juiz, abusando de sua autoridade e
contrariando a lei, ousa emitir uma sentença autorizando o crime do
aborto, o meio processual mais adequado para defender o nascituro é o
pedido de Habeas Corpus com concessão de liminar”.
Assim,
colocando em prática o que prega, o padre — que também é advogado — tem
ingressado com HCs em favor de nascituros e, em alguns casos, conseguido
a medida. O próprio STJ, em 2004, já concedeu HC impetrado por Luiz
Carlos Lodi da Cruz em favor de um nascituro do Rio de Janeiro.
O caso foi
julgado pela 5ª Turma do STJ, que, por unanimidade, desautorizou um
aborto de um feto diagnosticado com anencefalia (HC 32.159). O colegiado
entendeu que a situação dos autos não estava entre as previstas na Lei
Penal como hipótese em que o aborto é autorizado. A decisão é de 2004,
portanto anterior ao Supremo Tribunal Federal decidir na ADPF 54 que
aborto em caso de anencefalia não é crime. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.