Estamos observando um fenômeno em nossa região que precisa ser estudado e corrigido. Juízes e promotores utilizando os conselheiros tutelares como se fossem de seu staff, como se funcionários ou auxiliares seus fossem, lhes dando ordens, dirigindo suas ações e até ralhando com os mesmos de forma autoritária, e, por vezes, convocando reuniões de última hora e exigindo que os conselheiros se apresentem “imediatamente” perante a autoridade (juiz ou promotor) que convocou!
É preciso que a população, e principalmente os conselheiros tutelares, tomem consciência de que o conselho tutelar é um órgão autônomo, eleito pela população. Ele não é subordinado a ninguém ou a nada que não seja a Lei, principalmente o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A função do Conselho Tutelar é zelar por crianças e adolescentes que foram ameaçados ou que tiveram seus direitos violados. Mas zelar fazendo não o que quer, mas o que determina o ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 136, nem mais, pois seria abuso, nem menos, pois seria omissão.
Assim toda suspeita e toda confirmação de maus tratos deve ser obrigatoriamente comunicado ao Conselho Tutelar, que não pode ser acionado sem que antes o munícipe tenha comparecido ao serviço do qual necessita (serviço hospitalar, policial, escolar, creche, previdência social, etc.), pois, o Conselho Tutelar não substitui outros serviços públicos.
O Conselho Tutelar é um órgão público do município, vinculado à Prefeitura e autônomo em suas decisões, diz o ECA no artigo 137 textualmente: “As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.”
É também um órgão não jurisdicional, ou seja, é uma entidade pública, com funções jurídico-administrativas, que não integra o Poder Judiciário, portanto, como já dissemos no início, os conselheiros tutelares não são subordinados a Juízes, Promotores ou ao prefeito, no entanto, os Conselheiros podem e devem despachar com aquelas autoridades diretamente, sem necessidade de intermediários ou advogados.
O artigo 132 do ECA determina que em cada município deve haver, no mínimo, um Conselho Tutelar composto por cinco membros, escolhidos pela comunidade por eleição direta, para mandato de três anos, permitida uma recondução; desta forma é ilegal também a orientação de alguns juízes e promotores para que os conselheiros só atuem em duplas, pois isso lhes limita a atuação e reduz a competência do conselheiro que fica impedido de exercer suas funções quando não estiver acompanhado, o que é um contracenso, vez que o número mínimo de conselheiros é de cinco (5) de forma que ficaria sempre um impedido de exercer suas funções.
Tal orientação também prejudica a sociedade, pois, onde poderia estar acontecendo cinco atendimentos, fica restrito a dois (caso essa ideia errônea de os conselheiros somente trabalharem em duplas seja adotada ou mantida). Nesse caso, um conselheiro ficaria impedido de cumprir seu mister, a função para a qual foi eleito.
As atribuições do Conselheiro Tutelar são amplas e independem de outra autoridade. Ao Conselho Tutelar cabe: a) Atender crianças e adolescentes ameaçados ou que tiveram seus direitos violados e aplicar medidas de proteção; b) Atender e aconselhar pais ou responsáveis; c) Levar ao conhecimento do Ministério Público fatos que o estatuto tenha como infração administrativa ou penal; d) Encaminhar à Justiça os casos que a ela são pertinentes; e) Requisitar (a palavra requisitar não deixa alternativa ao requisitado senão atender, pois, o requisitante não está pedindo favor, esta solicitando com amparo na Lei), certidões de nascimento e óbito de crianças e adolescentes, quando necessário; f) Levar ao Ministério Público casos que demandem ações judiciais de perda ou suspensão do pátrio poder.
Como o juiz e o promotor, o Conselho Tutelar pode, nos casos a que atende, fiscalizar as entidades governamentais, e não governamentais, que executam programas de proteção e programas sócio-educativos.
O artigo 136, inciso III, alínea “a” do ECA dá poderes administrativos ao conselho para requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. No caso de negativa da autoridade, o agente público ou funcionário que rejeitar a requisição pode ser processado na justiça criminal por cometer crime de impedir ou embaraçar a ação do membro do Conselho Tutelar no exercício de sua função, o que deve ser provado (artigo 236 do ECA), ou na justiça da infância e da Juventude, por infração administrativa de descumprir, dolosa ou culposamente, determinação do Conselho Tutelar, tudo com amplo direito de defesa aos acusados (artigo 249 do ECA).
Aquele que desrespeitar as “requisições” do Conselho Tutelar fica sujeito a pagar multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, garantindo-se a presunção de inocência aos acusados e ao devido processo legal com amplo direito de defesa.
Resumindo, o Conselho Tutelar e cada conselheiro por extensão, é autoridade administrativa que deve cobrar de cada esfera a parte que lhe cabe na execução dos atos que garantem individualmente a política pública de proteção infanto-juvenil. É bom esclarecer que o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário não têm as mesmas atribuições, devem exercer em harmonia suas funções, pois, ambos trabalham com questões jurídicas que antes competiam a uma só autoridade: o antigo juiz de menores.
Agora o ECA desjudicializou parte dessas antigas funções, transferindo algumas atribuições ao Conselho Tutelar (em níveis jurídico -administrativo) e ao novo juiz da infância e da juventude (em níveis jurídico-jurisdicional). Portanto, tudo o que podia ser resolvido em demanda administrativa foi desjudicializado e tudo o que merecia o devido processo legal foi atribuído ao poder judicial.
Mas há antigos usos, hábitos e costumes que tendem, em alguns casos, a manter velhas competências já abolidas dos velhos juízes de menores e que violam as normas do ECA. Conhecê-los e combatê-los é muito importante, para modernizarmos o aparelho de Estado e fazermos cumprir a verdadeira democracia nos termos da lei.
Para concluir volto à questão pela qual comecei o presente artigo “A quem o Conselho Tutelar está subordinado”? E respondo: Embora esteja vinculado administrativamente à Prefeitura, ele é um órgão autônomo em suas decisões e não esta subordinado a pessoas ou órgãos, mais sim ao texto do ECA, do qual deve fazer uso, sem omissão nem abuso. Caso se omita ou abuse em termos de direitos difusos (por exemplo, conselheiro que não trabalha, conselheiro que desrespeita sistematicamente seus atendidos, conselheiro que se desvia de função), ficará ou poderá ficar sob o controle do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que zela pela prestação difusa de serviços públicos na área de direitos.
O Conselho Tutelar presta serviços públicos. Caso este se omita ou abuse de direitos individuais, o interessado poderá se socorrer da justiça (Vara da Infância e da Juventude), a qual, quando acionada através de petição em caso concreto, zela pela obediência às regras do ECA, respeitado o devido processo legal, ou seja, o Conselho Tutelar ou o Conselheiro Tutelar individualmente só ficam sujeitos às decisões do Juiz/Promotor de Justiça se infringir a lei, descumprir suas obrigações ou violar direitos, e, mesmo assim, mediante denúncia de caso concreto, feita por petição e com direito ao amplo direito de defesa e devido processo legal, tal qual todo cidadão!
Aperfeiçoar esse importantíssimo instrumento democrático, capacitar os conselheiros tutelares para que atuem com independência e autonomia e dotar-lhe de equipe técnica de apoio e infraestrutura é dever de todas as esferas de Governo e deve ser objeto da cobrança de todos!!!
* Clóvis Santos – OAB/PE 28.633-D – é advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho, membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PE, Membro do Diretório do PT/Caruaru e Sócio da AATC- Associação dos Advogados Trabalhistas de Caruaru-PE.