CRÔNICA: O Quinze sempre existirá! (Memórias de uma viagem de volta)- Por Adelmo Barbosa*

Entrei num ônibus da Itapemirim como nas quatro vezes anteriores, após comprar a passagem a duras penas. Na data, hora e local indicados, subi a escadinha (ainda) marrom como sempre fora. Essa parte não mudou muito. Apenas a cor do ônibus sofreu alguma alteração, hoje mais um amarelo desbotado, mas a qualidade interna e a competência dos motoristas continuam as mesmas.
O velho Ita seguiu o mesmo curso: as três ou quatro da tarde, sol já sumindo lá pras bandas de Teresina, encostamos no ponto de apoio de Salgueiro, onde cruzam a 232 e a 116. Deixaria a primeira e seguiríamos a segunda até o centro da Bahia.  O ônibus continua seu curso no entardecer do Nordeste sempre seco, as árvores de um cinza que dá o nome “Caatinga”.
À noite atravessamos o Velho Chico e seguimos na longa estrada da Bahia, nada menos que 900 km de chão. Eh Bahia! Imenso como sempre. Desde o sertão de Juazeiro até Teixeira de Freitas, um pouquinho pra lá, quase na divisa com São Mateus.  Estamos na 101, ou Translitoranea, muito embora esse nome não seja muito conhecido.
Na velha e boa Bahia, há um misto de sedução, medo e cansaço. Entramos à noite no sertão árido, e após o trevo de Feira, majestoso e intrigante, onde o Brasil se encontra e se dispersa ao mesmo tempo, chegamos ao sul, seguindo em direção a São Jorge dos ilhéus, passamos por Gandu e Guanambi. Claro que não chegamos à Terra do Mar Sem Fim, apenas por Itabuna. Depois Eunápolis, Itamaraju e Itagimirim, até atingirmos Teixeira de Freitas. E já é noite de novo. Porque na Bahia é assim: entra-se a noite e sai à noite.
Os eucaliptos e as curvas da estrada denunciam que estamos próximos a São Mateus. O ônibus já é quase uma família. As pessoas se conhecem e trocam informações de suas terras, desde a saída de Campina Grande, no centro da Paraíba. Já passamos por Linhares, Cariacica e região metropolitana de Vitória e nos aproximamos da terra do velho bus, terra do Rei: Cachoeiro de Itapemirim, esta já não é mais tão pequena assim.
Entramos nos Campos dos Goitacazes e seguimos em direção a Três Rios. Pela manhã, atravessamos a encantadora Ponte, tão encantadora quanto imensa. Aos primeiros raios do sol, paramos na Rodoviária Novo Rio. O Cristo surge ao longe. Cruzamos a terra de São Sebastião pela Avenida Brasil de norte a sul até entrarmos nas pirambeiras da Dutra. Enfim, Queluz.
Estamos no eldorado insólito, insano, estranho, que nos espera. Queluz é a última parada antes de chegarmos ao Tietê. No caminho, a Terra da Virgem e as imensas fábricas de São José dos Campos. Aos poucos vamos sentindo o cheiro de São Paulo. Guararema, Santa Isabel, Guarulhos (não necessariamente nessa ordem). O fluxo de veículo da Marginal denuncia: estamos chegando.
O vai-e-vem da Rodoviária mostra-nos um outro mundo. Perdidos numa selva de pedras sem fim. Assim como Conceição, vamos em busca de tudo e encontrarmos o nada. Isso aqui não mudou muito desde O Quinze. E já estamos em outro Quinze. Somos viajantes andarilhos de uma terra, de um destino...
Se não fui bem recebido não sei. Há incompreensão, muito “não tem vaga”, até a desolação, a decepção e a desilusão. Quanto ÃO, ÃO, ÃO. A não recepção me faz perceber que não adianta fugir. O Quinze é sempre igual. Igual ao de Rachel.
O Quinze sempre existirá. Foi há cem anos, é agora e será daqui a um século. Não adianta fugir. Rachel já prenunciara, não adianta querer esconder O Quinze, a cada cem anos ele estará lá. É preciso aprender a conviver com ele. Buscar nas concentrações de famintos, meios de conviver com a realidade. Uma Conceição é pouco para mudar a história, mas se todos nos transformarmos em Conceição saberemos viver. O eldorado já não existe mais, talvez nunca existiu. E o velho Itapemirim me trouxe de volta, antes iludido, agora arrependido.
Arrependido não por ter tentado achar saída em outro lugar, mas por não ter acreditado como Conceição que se tem que achar meios de viver por aqui. Tem que se achar como enfrentar O Quinze. As outras Terras são dos outros. A Nossa é aqui, com O Quinze e tudo o que ele tem de bom ou de ruim.
Antes, agora ou daqui a cem anos, para mim ou para as futuras gerações, O Quinze sempre existirá.
O Quinze sempre existirá!


* Professor e Secretário de Governo em Flores.
Adelmo Barbosa