Entrei num
ônibus da Itapemirim como nas quatro vezes anteriores, após comprar a passagem
a duras penas. Na data, hora e local indicados, subi a escadinha (ainda) marrom
como sempre fora. Essa parte não mudou muito. Apenas a cor do ônibus sofreu
alguma alteração, hoje mais um amarelo desbotado, mas a qualidade interna e a
competência dos motoristas continuam as mesmas.
O velho Ita
seguiu o mesmo curso: as três ou quatro da tarde, sol já sumindo lá pras bandas
de Teresina, encostamos no ponto de apoio de Salgueiro, onde cruzam a 232 e a
116. Deixaria a primeira e seguiríamos a segunda até o centro da Bahia. O ônibus continua seu curso no entardecer do
Nordeste sempre seco, as árvores de um cinza que dá o nome “Caatinga”.
À noite
atravessamos o Velho Chico e seguimos na longa estrada da Bahia, nada menos que
900 km de chão. Eh Bahia! Imenso como sempre. Desde o sertão de Juazeiro até
Teixeira de Freitas, um pouquinho pra lá, quase na divisa com São Mateus. Estamos na 101, ou Translitoranea, muito
embora esse nome não seja muito conhecido.
Na velha e
boa Bahia, há um misto de sedução, medo e cansaço. Entramos à noite no sertão
árido, e após o trevo de Feira, majestoso e intrigante, onde o Brasil se
encontra e se dispersa ao mesmo tempo, chegamos ao sul, seguindo em direção a São
Jorge dos ilhéus, passamos por Gandu e Guanambi. Claro que não chegamos à Terra
do Mar Sem Fim, apenas por Itabuna. Depois Eunápolis, Itamaraju e Itagimirim,
até atingirmos Teixeira de Freitas. E já é noite de novo. Porque na Bahia é assim:
entra-se a noite e sai à noite.
Os eucaliptos
e as curvas da estrada denunciam que estamos próximos a São Mateus. O ônibus já
é quase uma família. As pessoas se conhecem e trocam informações de suas
terras, desde a saída de Campina Grande, no centro da Paraíba. Já passamos por
Linhares, Cariacica e região metropolitana de Vitória e nos aproximamos da
terra do velho bus, terra do Rei: Cachoeiro de Itapemirim, esta já não é mais
tão pequena assim.
Entramos nos
Campos dos Goitacazes e seguimos em direção a Três Rios. Pela manhã,
atravessamos a encantadora Ponte, tão encantadora quanto imensa. Aos primeiros
raios do sol, paramos na Rodoviária Novo Rio. O Cristo surge ao longe. Cruzamos
a terra de São Sebastião pela Avenida Brasil de norte a sul até entrarmos nas
pirambeiras da Dutra. Enfim, Queluz.
Estamos no
eldorado insólito, insano, estranho, que nos espera. Queluz é a última parada antes
de chegarmos ao Tietê. No caminho, a Terra da Virgem e as imensas fábricas de
São José dos Campos. Aos poucos vamos sentindo o cheiro de São Paulo. Guararema,
Santa Isabel, Guarulhos (não necessariamente nessa ordem). O fluxo de veículo
da Marginal denuncia: estamos chegando.
O vai-e-vem
da Rodoviária mostra-nos um outro mundo. Perdidos numa selva de pedras sem fim.
Assim como Conceição, vamos em busca de tudo e encontrarmos o nada. Isso aqui
não mudou muito desde O Quinze. E já estamos em outro Quinze. Somos viajantes
andarilhos de uma terra, de um destino...
Se não fui
bem recebido não sei. Há incompreensão, muito “não tem vaga”, até a desolação,
a decepção e a desilusão. Quanto ÃO, ÃO, ÃO. A não recepção me faz perceber que
não adianta fugir. O Quinze é sempre igual. Igual ao de Rachel.
O Quinze
sempre existirá. Foi há cem anos, é agora e será daqui a um século. Não adianta
fugir. Rachel já prenunciara, não adianta querer esconder O Quinze, a cada cem
anos ele estará lá. É preciso aprender a conviver com ele. Buscar nas
concentrações de famintos, meios de conviver com a realidade. Uma Conceição é
pouco para mudar a história, mas se todos nos transformarmos em Conceição
saberemos viver. O eldorado já não existe mais, talvez nunca existiu. E o velho
Itapemirim me trouxe de volta, antes iludido, agora arrependido.
Arrependido
não por ter tentado achar saída em outro lugar, mas por não ter acreditado como
Conceição que se tem que achar meios de viver por aqui. Tem que se achar como
enfrentar O Quinze. As outras Terras são dos outros. A Nossa é aqui, com O
Quinze e tudo o que ele tem de bom ou de ruim.
Antes, agora
ou daqui a cem anos, para mim ou para as futuras gerações, O Quinze sempre
existirá.
O Quinze
sempre existirá!
* Professor e
Secretário de Governo em Flores.
Adelmo Barbosa