Eu estava em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo,
participando de uma reunião da Obra Kolping do Brasil, Organização não
Governamental Internacional ligada à Igreja Católica, não lembro o dia da
semana, contudo a data era 24 de julho de 1993, quando soubemos via jornal
(naquela época não existiam ainda as redes sociais, nem mesmo a internet no
Brasil, pelo menos acessível) que um grupo de 8 adolescentes, todos moradores
ou meninos de rua, havia sido assassinados, na noite do dia anterior (23), a
sangue frio e a queima-roupa enquanto dormiam em frente à Igreja da Candelária,
principal centro católico da cidade do Rio de Janeiro.
O assunto tomou conta da reunião, porque chocou a todos. 8
adolescentes, todos homens com idade entre 11 e 19 anos que dormiam na calçada
da Igreja (como faziam todas as noites) foram alvejados por armas de fogo
saídas das mãos de “policiais militares” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Chacina_da_Candelária. Acesso em 23.07.2015).
Um retrato da situação da infância brasileira naquele tempo. Não se
tinha ainda conhecimento mais expansivo do recém-aprovado Estatuto da Criança e
do Adolescente, em julho de 1990 e que acabara de completar três anos.
Uma chacina que chocou não apenas pela brutalidade como ocorreu, mas pelas
sequelas deixadas nos que sobreviveram (um deles atualmente mora na Suíça, fora
adotado por um casal daquele país com o apoio do Serviço de Proteção à
Testemunha do Brasil, sobreviveu porque se fingiu de morto, mesmo assim ficou
cego de um olho). Uma violência gerada pelo fruto de uma nação que não
construiu ao longo de sua história uma política para suas crianças e seus
jovens. Bem lembrou Pe. Zezinho na música “Menores Abandonados” “Pelas esquinas e praças estão desleixados e
até maltrapilhos. Frutos espúrios da nossa nação, são rebentos, porém, não
filhos. E eu queria somente lembrar que milhões de crianças sem lar,
compartilham do mesmo sofrer. Já não sabem a quem recorrer”.
A Chacina da Candelária não parou naquele dia 23 de julho de 1993,
naquela noite triste do Rio de Janeiro, “seus frutos” renderiam ainda muitos
holofotes, não pela busca por justiça, ou solução definitiva para os “Milhões
de crianças sem lar”, mas por um novo episódio que ocorreria anos mais tarde, no
dia 13 de junho de 2000, quando um dos sobreviventes da Candelária – Sandro do
Nascimento, então com 22 anos, sequestraria o Ônibus da Linha 174 Leblon –
Jardim Botânico, na mesma cidade do Rio de Janeiro, um episódio que duraria
mais de quatro horas e terminaria com duas mortes, o próprio Sandro e a professora Geísa Firmo Gonçalves (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sequestro_do_Ônibus_174. Acesso em 23.07.2015). Seria então mais duas vítimas da continuação da Chacina?
22 anos depois, nenhum jornal divulgou o fato. Não há mais por quê.
Passou, vida que segue. No entanto, a Chacina da Candelária, ainda desperta
muitas reflexões sobre o que se faz pelas nossas crianças e adolescentes. Até
onde o Brasil evoluiu no trato com os seus “rebentos”?, como diz Pe. Zezinho.
Quais as lições que ficaram de tão trágicos episódios na Terra Brasilis? A Chacina da Candelária e o Sequestro do Ônibus
174. Quais são as políticas para as crianças e adolescentes do Brasil?
Quem acompanhou jamais esquecerá, porque aquela foi “uma noite de cão”,
manchando a história de uma nação que ainda não vislumbra um futuro tão urgente
para seus “rebentos”. Precisemos cuidar mais para que não se traia a memória
daqueles que morreram inocentemente só porque dormiam ao relento na porta de
uma igreja.
O que precisamos para que o sangue dos ladrilhos da calçada da
Candelária seja enxugado, é INVERTER o trecho que fecha a música de Pe.
Zezinho: “E eu queria somente lembrar que milhões de crianças sem lar são os
frutos do mal que floriu NUM PAÍS QUE JAMAIS REPARTIU”...
Pesquisa:
Chacina da Candelária. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Chacina_da_Candelária. Acesso em 23.jul.2015.
Padre Zezinho. Melhores Momentos. Menores Abandonados.
1998. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/padre-zezinho/discografia/pe-zezinho-os-melhores-momentos.html. Acesso em 23.jul.2015.
Sequestro do ônibus 174. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sequestro_do_Ônibus_174. Acesso em 23.jul.2015.
*Professor e Secretário de Governo em Flores.